domingo, 18 de novembro de 2018

44

"...estou procurando, estou procurando. Estou tentando me entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda."
Clarice Lispector

Oi. 
Hoje tive seu numero e nao tive o minimo de coragem de te escrever. 
Porque seria ruim pra mim.
Porque seria ruim pra voce. 
Nao sei bem quais faltas voce sente mesmo sabendo que voce sente varias, entao segue lá: 

eu to feliz pela sua carta desde fevereiro
e to chateada pela sua avó desde sei la quando
já parabenizei sua irmã pessoalmente
e tudo passa no conforme dos anos
(eu sonho constantemente com o caos). 

eu nao saberia te dizer tantas coisas pessoalmente numa praça publica tercerizada
Mas te encaminharei um livro com entrelinhas autografadas. 

me desculpe a audacia presente nesse texto de abertura
mas voce sente falta de que senão do veneno em alta costura? 

nao nos encontraremos mais
assim espero 
mentindo.
seu sorriso ainda é o mesmo no porta retratos mais distinto. 

eu te declaro meus versos 
como diz camões de propria autoria 
muitas foram paixões
mas de ti não tive alforria .

eu nunca relataria assim: 
a que ponto cheguei?!
mas soube da falta de mim
e logo me empolguei.

nao culpe os que tiveram presentes
te envio o desabafo pra poder rasgar
me deixe na areia dos gatos do escritorio

e siga feliz para casa. 

texto 44, 17/11/18

domingo, 13 de abril de 2014

p.i.u.


Vem cá, passarinho
de que adianta saber voar
se no pouso
o gato pega?!

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Se eles têm três carros...


"sim, sou muito louca - não vou me curar
já não sou a única que encontrou a paz
mas louco é quem me diz, e não é feliz
eu sou feliz?"


Não mente
faz suas escolhas
assume as circunstancias
admite ser substancia
engole sapos
ensaca rolhas.
Envia currículos
estuda
dá duro
é amiga, 
é fiel, 
corre atrás.
Mas a vida não tá interessada nesse tipo de gente
gente quente
'gente-gente'
que toma os tombos a goladas
que não se importa de perder a goleadas
desde que não a peçam pra parar.
A vida dos outros é diferente
(não percebem que lhe fizeram estagnar?!)

Dá 'bom dia' pro vizinho
- o que isso importa?!
a vida, de novo, lhe bateu a porta:
ela não sabe mais qual interfone tocar.

Fica difícil viver
quando, todos os dias, a vida
te mata um pouco, aos poucos
ai fica oco
mas não quer largar o osso
e, 
teimosamente, 
insiste em continuar. 

2/abril/14

segunda-feira, 31 de março de 2014

Participação Espacial.

"porque dois é um
é um número, êh ôh..."
(Novos Baianos) 
com Buddah

Os poetas escrevem muito sobre amor... 
Será que lhes sobra tempo de amar?
sobre o que fala o amor?
os poetas falam de todas as coisas que não sabemos
sentem tudo o que mentem
mentem o que sentem
ou mentem o que penso que sinto?
do que fala o amor, senão
os poetas em sua poesia?
nada que Camões ou Clarice ou Cecília já não tenham dito mais e melhor... 
São duas pessoas sozinhas 
que se fingem fazer companhia.
são dois em um, e nesse um:
o abismo entre os outros
ser um é ser outro ou nada ser?
é perder o chão e estar desatento?
é perder no peito do outro seu leito?
é gozar o gozo do outro
pensando que o outro é si mesmo?
Lidar com o outro
Falar do outro
Escrever o outro
- 'nós sozinhos somos multidão'.
O poeta quer mesmo falar de amor?
Será que o poeta não quer só sentir a dor
pra ter sobre o que desabafar?
E o que me dizem sobre realidade?
A gente engole sem sequer pestanejar... 
O que é realidade?
sentimos dor que não são dores
vivemos o suicidio desenfrado a cada dia
engolimos a fumaça, a cachaça, a vida
engolimos a brisa que não vem
a vinda nunca ida, 
e dessa coisa toda, 
nada resta
que andar a toa,
sobre amor, sexo, liberdade e poesia?
O poeta que é poeta deve falar das entrelinhas?
Deve chorar noites sozinhas?
Deve ver cor na cidade cinza?
Deve cantar pra espantar?
Deve amar, deve amar...
O poeta fala de amor pra sufocar o ego
de escrever sobre o que tá estampado.
O poeta quer café e cigarros.
O poeta não sabe não saber - ai inventa
Ai atenta aos detalhes sórdidos do dia-a-dia
Dessa eterna falsa folia
- dia de reis, quarta de cinzas
o poeta, a bohemia.
essa cidade, as vezes colorida
navegando o infinito
pela fumaça do café a dançar com cigarro
pela erva fina: o ultimo trago
e te trago aos meus braços
acompanhado do livro
acompanhado das linhas
essa vida sem mágoa
essa marca do aço
talhado de noite
curado de dia
essa coisa de vida
seria bem dificil
sem poesia.

31/março/14

sexta-feira, 21 de março de 2014

Mesa de amigos.

"Põe os pratos no chão e o chão ta posto."

Pôs a mesa a segundos atrás.
Achou simplérrimo, pensou que não estava bom
o suficiente pra receber os amigos.
Mas amigo que é amigo, senta no chão
Amigo que é amigo passa o café,
se quiser.
Amigo que é amigo limpa a casa
lava o quintal.
Amigo que é amigo não se importa 
de beber café ou cachaça
e comer poesia
crua, assada ou cozida.
A mesa tem pratos de sobra
e a luz irradia pela janela da cozinha.
A mesa tem lugares 
fora da mesa.
A mesa foi posta fora de casa
na calçada pra todo mundo chegar
Sendo amigo ou não
Sendo gato ou cão
Sendo bem vindo ou indo.
Amigo que é amigo delicia-se de companhia
O dinheiro da folia 
arrecada-se da chuva
Faz dança e acrobacia
pra pescar pessoas sem anzol.

Porque a mesa é simplérrima.
Serve-se versos.
Mas amigos comem esses versos a colheradas cheias
E ela sorri pra nunca mais
deixar de servir. 

21/03/2014

terça-feira, 18 de março de 2014

Crua.

"eu não sei fazer poesia, mas que se foda." 

noite passada eu conheci um poeta de rua
fazia ele poesia crua
andava sempre pra lá e pra cá
bebia cachaça
conhecia meu bar
recitava palavras
que não eram bonitas
mas eram banhadas
de cor e verdade
e dessa verdade
usava a idade
que o mundo rodava.
era mais velho que andar pra trás
ou andava-se pra frente 
antes mesmo dessa gente?
eu só sei que queria casar
o chamava de esposo antes da noite acabar.
porque a poesia dá dessas:
compromissos sem o noivo saber com quem.
porque poesia são rezas
desse nosso longo vai e trem.


18/03/2014

sexta-feira, 14 de março de 2014

Sai da Seca.

O bicho do armário, que todos os dias aparece quando vou me trocar, e joga os padrões de moda na minha face já trêmula de indignação.
O bicho do armário, que todos os dias aparece quando vou me alimentar, e joga as pobrezas de nada na minha expressão já esgotada de podridão.
O bicho do armário, que todos os dias aparece quando vou me lavar, e joga as pátrias de merda na minha cara já maltratada de "EVOLUÇÃO". 
Essa porra de padrão de pátrias pobres, que define essa moda de nada e de merda, que dá à minha face maltratada uma expressão trêmula de cara esgotada. 
O bicho do armário, 
Indignado.
Evoluído?
Podre. 

14/março/14

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

duasdesetedias.

Olha aqui, eu gostaria de expor umas coisas um tanto óbvias quanto a nós, mesmo que não sejam óbvias, elas deveriam ser, então não me venha com 'o que está claro pra você pode não estar pra mim', eu sei sobre o que falarei.
E começarei falando que estamos juntas pra estarmos juntas. Não é pra dormirmos e acordarmos juntas. Não é pra fazermos janta juntas. Não é pra recebermos visitas juntas. Não é pra assistirmos a um filme juntas. Não é pra rirmos juntas. Não é pra andarmos, juntas de mãos dadas. Não é só pra tudo isso
Estamos juntas pra conversar no fim do dia e, juntas, resolvermos os meus problemas e os seus problemas que se tornam nossos quando verbalizamos uma para a outra. Estamos juntas pra, juntas, nos abraçarmos no meio da noite e sentirmos, juntas, que podemos ficar tranquilas agora. Estamos juntas pra, juntas, enfrentar todas as críticas e agradecermos, juntas, a todos os elogios. Estamos juntas porque não suportamos ficar separadas, e ainda assim, estávamos juntas. 
Você não entende mesmo isso? As nossas moedas de troca devem ser diferentes pra gente se completar.
Terminarei falando sobre como é estar do seu lado: é engrandecedor. Mesmo que você me ache radical. Mesmo que você me ache ironica. Mesmo que você me ache perturbada. Mesmo que você não confie em mim. Eu sei que dou o meu melhor por você. Porque, se não existirmos juntas eu sei que existirei pela metade. O mesmo de você. O plano é estarmos inteiras. Juntas

"Brincar é condição fundamental para ser sério." Arquimedes

18/02/2014

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Resposta à não-pergunta.

'ahh, quanto querer cabe meu coração
ahh, me faz sofrer e que me mata
e se não mata, fere'

Esporadicamente tenho vontade de escrever pra você. Então escrevo.Porque nunca resisto em responder o que você não perguntou. Porque você inspira. Porque você me expira. Porque respiro rapidamente. Quando leio você.

Poeta, acontece assim: você aparece com suas palavras compridas e complexas e ciumentas e caóticas e depois some cinéticamente. Já entendemos o seu recado: você não permanece. As palavras permanecem. Mas você é o dono dessas palavras. O que você foi naquele segundo permanece. E, se parar pra ver, no fim das contas, 'aqueles segundos' é exatamente o que temos átimos de segundos cotidianamente. 
Onde quero chegar: você é mudança porque você é tempo, porque somos todos tempo, porque somos moléculas de tanta coisa que no fim não nos identificamos com coisa alguma. 
Gosto dessa bagunça organizada que você preenche tão bem dentro das linhas. 
Mas escorrega casualmente. Mas estagna temporalmente. Mas corre latentemente. 

Acontece assim: você chega de terno e gravata. Elegante. Confiante. Desconfiado. Deixa todo esse quarto zoneado. O personagem tumultuado. As questões sem respostas. As perguntas sem notas. E eu gosto dessa perdição santa. Dessa secura molhada. Dessa distancia atada. Dessas setas erradas. Do passo pra trás.

Sistematicamente começo com muitas palavras vorazes. E no transitar da mente ao corpo; da idéia ao papel - perco metade do vulcão, e a lava que chega ao solo já esfria - perco erupção.

Você some. Eu sumo. A gente se encontra nas virgulas ocasionais e propositais e infracionais e foda-se. 
Você some. Eu sumo. A gente permanece a gente.

rumo ao pólen. 


13/02/2014

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Vive melhor quem samba.

'quem se atreve a me dizer do que é feito o samba - nem se atreva a me dizer.'

falam demais de samba... talvez o samba da gente não seja simplesmente o gingado que é viver? que precisa de malemolencia, que te exige quase uma indescencia, uma coisa meio entre todos nós, eu e você?!
porque samba por samba é quase visceral - uma naturalidade de mexer os pés, pra levantar da cama, pra escovar os dentes com a musicalidade implicita nos movimentos. sabe o que é? acho que acordei tão bem hoje, de forma tão completa, tão pura, tão limpa, tão inocentemente ambiciosa que falar de samba é quase uma metáfora de eu não sei o que.

'eu vou no samba...'

penso na nossa velocidade no compasso da música, algo dois pra lá-dois pra cá, rodadinhas, caidinhas, escorregadinhas, pisões nos calos, rebolados, coxas roçando, corpos dançando, disputando espaço com outros corpos dançando, entendendo-se apesar da disputa que todo espaço é pra ser ocupado. 

'samba maioral, onde é que você se meteu antes de chegar na roda, meu irmão?'

saimos de onde pra chegarmos onde e porquê? as notas mudam com o passar dos passos e é assim que a composição coreografada torna-se concreta - torna-se canção, torna-se roda de sensação, de sapatos esfregando no chão - rastapé. 

'eu entendo o seu depois.'

quem vive, quem sambasambasambasambarsambou não cansa. por isso que se os pés doem, a gente só espera na sombra, mas não para; se existe som saindo dos batuques verbais, orais, percurssionais, ah... a gente entra na roda - e não quer sair. 
e se você, amor, põe líricos nas melodias, meus dias tornam-se lirios abertos: nem me atrevo a lhes dizer. 

'não, eu não sambo mais em vão.'


11/02/2014